Marcos Oliveira/Agência
Senado
Senador
Marcelo Castro (C) solicitou a audiência para que os parlamentares em primeiro
mandato pudessem debater a proposta, que tramita desde 1993 no Congresso
A proposta de redução da
maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos,
homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte gerou controvérsias em
debate da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nesta
quinta-feira (27).
A mudança está prevista numa
proposta de emenda constitucional (PEC
115/2015) que tramita no Congresso desde 1993. Na CCJ, ela será
relatada pelo autor do pedido para o debate, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Ele justificou a audiência dizendo que é preciso atualizar os parlamentares em
primeiro mandato sobre o tema.
Estamos tratando de um assunto da mais alta relevância e complexidade, para o qual não encontramos um norte firme e consensual no direito comparado. Alguns países entendem de um jeito, outros de outro. Por isso, precisamos de um diálogo transparente, com pessoas de visões diferentes, a fim de elaborarmos uma legislação adequada ao nosso país — explicou o parlamentar.
O procurador regional da
República Guilherme Zanina Schelb disse que o tema deve ser tratado do ponto de
vista civilizatório, com a inclusão dos pais e das famílias na educação e nos
cuidados com as crianças brasileiras. Para ele, é claro que a sensação de
impunidade estimula os adolescentes às práticas violentas.
A responsabilização isolada tem que ser colocada de um ponto de vista amplo. É fundamental a existência de pais responsáveis, que cuidem dessas crianças. E ter em mente que a falta de punição condizente leva a sociedade a, inclusive, querer fazer justiça com as próprias mãos — alertou.
O procurador de Justiça
Criminal e assessor especial da Presidência da Associação Paulista do
Ministério Público, Thales Cezar de Oliveira, é favorável à redução da
maioridade penal. Ele defendeu a modernização da legislação brasileira e
explicou que a possibilidade de penalização para quem tem 16 anos se justifica
pelas estatísticas que apontam o ingresso dos jovens no mundo do crime nessa
idade.
A lei precisa ter o
dinamismo que a própria sociedade tem, sob risco de se tornar uma lei morta. A
sociedade de 1960, com seus valores éticos, não é a mesma de 2019. A sociedade
muda, evolui, exige novas demandas e até por isso se está discutindo uma nova
forma de Previdência.
Thales afirmou, no entanto,
que a redução da maioridade deve vir acompanhada de um conjunto de normas que
garanta direitos individuais, para que a eventual alteração da Carta Magna
possa surtir efeitos.
A mudança é necessária,
viável, mas deve vir dentro de um pacote de medidas sociais que invista na
família, na saúde, na educação, de forma a retirar essa criançada da rua e do
mundo das drogas.
Ponderações
Advogado e professor no
Instituto de Direito Público Brasiliense (IDP), Fabrício Juliano Mendes
Medeiros disse que é preciso escapar de uma "interpretação literal e
pobre” da lei. Para ele, a mudança pretendida pela PEC não subverte o princípio
da proteção da dignidade humana, porque a medida não viola direitos.
Quero reafirmar que estamos diante de um caso difícil, que envolve um sem número de variantes a serem consideradas, mas, tratando de processo legislativo, não há óbices quanto à tramitação dessa matéria — garantiu.
A advogada Marisa Rita
Riello Deppman disse que a população clama pela redução da maioridade,
inclusive, para 14 anos. Ela teve um filho, de 19 anos, assassinado por um
menor na porta de casa, quando voltava do estágio, em São Paulo. Segundo
Marisa, o estudante recebeu um tiro na cabeça mesmo depois de ter entregado o
celular ao bandido, que tinha 17 anos quando praticou o homicídio.
Marisa disse que passou da
hora de o Legislativo atender às demandas da sociedade.
Direitos humanos é para humanos direitos. É para mim também. Tortura foi ter que ir ao IML liberar o corpo do meu filho para o enterro. Já estive no Congresso em 2013 e falei a mesma coisa: os legisladores vivem numa ilha da fantasia, mas precisam lembrar que menores matam, e matam com requintes de crueldade — lamentou.
Coronel da Polícia Militar
de São Paulo, advogado e mestre em Segurança e Ordem Pública, Elias Miler da
Silva defendeu o fim de ideologias, a importância da autoridade dos pais e da
família na criação dos jovens e a aplicação efetiva do Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA) para a diminuição da criminalidade. Elias afirmou que 84% dos
brasileiros querem a redução da maioridade penal, frisando que povo é soberano
nessa decisão.
A minha visão é de policial que atua na ponta, de pedagogo, professor e nordestino. Negro, criado no meio da criminalidade, não vi nenhum dos meus irmãos se tornar criminoso. Ai de mim se eu chegasse com algo que não era meu em casa. Quando meu neto começa a fazer graça, basta eu olhar e fechar a cara, e ele já sabe que há reprimenda. O resto, pode filosofar como quiser.
Posições
contrárias
O ex-ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo considerou o sistema penitenciário nacional uma das
principais causas da criminalidade no Brasil, embora o problema, segundo ele,
tenha diversas outras motivações. Cardozo se mostrou contrário a todas as
exposições favoráveis à PEC 115/2015, justificando que a prática de sanções
restritivas da liberdade sem um critério apurado diminui as chances de
reinserção social, inclusive, as inibitórias de condutas indevidas no futuro.
Para o ex-ministro, a voz
das ruas não pode ter dimensão interpretativa a ponto de moldar a Constituição
sempre que houver pedidos. Segundo Cardozo, a integralidade da Carta Magna deve
ser respeitada enquanto estiver em vigor, sob o risco de levar a sociedade “a
voltar aos tempos de barbárie da arena romana”.
Eu preciso ter clareza de que a voz das ruas não pode transfigurar as molduras constitucionais, até que a Constituição caia. Juridicamente, essa é minha posição.
Representante
da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Lucia Helena Barbosa
de Oliveira disse que o assunto requer postura política. Ela comentou que o ECA
não pode ser usado como instrumento para simples punição e, sim, como medida
protetora para as crianças.
Helena ponderou que o
Ministério Público deve sair da “condição de assessor do juiz” para se tornar
um “agente de transformação social”. E ressaltou que as autoridades não podem
apenas punir, mas auxiliar e proteger essas pessoas, com vistas à construção de
uma sociedade solidária.
Faço questão de tentar ajudar os agentes de polícia e de socioeducação a entender aquele garoto [infrator] como ser humano. E sobre esse menino que chega para mim, eu quero saber o que aconteceu no âmbito familiar. A gente não paga mal com mal, a gente paga mal com o bem — defendeu.
Participação
do Estado
Especialista em relações de
gênero e raça, a advogada Deise Benedito disse que adolescente precisa de
escola e educação, e não de prisão. Ao ponderar que o sistema de tratamento
para jovens infratores é ineficiente no Brasil, a especialista falou que um
governo que não cumpre suas obrigações "é ilegítimo para punir".
A forma de reduzir criminalidade no Brasil é matando, e isso não resolve porque, quanto mais se mata, mais se nasce. Daqui a pouco, vai se ter outras medidas para impedir que se nasça neste país — criticou.
Segundo o assessor jurídico
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Oswaldo Pinheiro Ribeiro Junior, o
órgão concorda com a visão de que o Estado precisa cumprir suas atribuições e
sua função social, especialmente no que toca a educação e o preparo de jovens e
adolescentes para o mercado de trabalho. Ele ressaltou que a sociedade está em
constante transformação e que muitos valores nascidos no âmbito familiar foram
“diluídos com o passar do tempo” e em razão das diferenças sociais.
Para Ribeiro Junior, a
reconstrução desses princípios morais não é possível se, antes, não houver
melhoria nas condições de vida de quem mora nas regiões mais pobres e
estigmatizadas do país. Ele reafirmou a posição da OAB contrária à PEC
115/2015.
É preciso que o Estado tenha consciência de sua responsabilidade nesse resgate e no incentivo à educação, porque a dúvida que se coloca é se precisamos de mais construções de presídios ou escolas. A redução da maioridade desacompanhada de medidas de fomento à capacitação e treinamento não nos parece o ambiente mais adequado — comentou.
e-Cidadania
O debate também suscitou
posições diferentes de internautas de várias partes do Brasil, que comentaram a
audiência pública por meio do portal e-Cidadania.
Para Wilson Nogueira Filho, de Pernambuco, enquanto não forem resolvidos os
problemas da educação no Brasil, a redução da maioridade penal prevista na PEC
115/2015 não faz sentido.
Lazaro Gomes Rodrigues, do
Espírito Santo, sublinhou que um jovem de 16 anos, na década de 1980, tinha
perfil e participação limitada na sociedade. Hoje, uma pessoa da mesma idade,
segundo o internauta, tem atitudes de um adulto de 21 anos.
Para Matheus Souza, do Rio
Grande do Norte, a redução da maioridade é “mero populismo penal”. Ele escreveu
que o único efeito prático da medida seria superlotar ainda mais presídios e
defendeu que as autoridades atentem para as causas e não apenas para as
consequências dos crimes.
Marcelo De Freitas Erthal,
do Rio Grande do Sul, acredita que a redução da maioridade penal ajudará a
diminuir “crimes bárbaros contra a vida”. De Minas Gerais, Marcelo Almeida
refletiu que a redução da maioridade de 18 para 16 anos “é algo tão lógico e
notório, que independe de elucubrações”.
Para Acioli Albuquerque, do
Rio de Janeiro, a PEC 115/2015 já deveria estar em vigor. Jose Gomes, de
Pernambuco, disse que percebe uma disseminação de raiva e ódio, considerando
que o endurecimento da pena não é a solução para o problema. “Caso contrário,
não haveria mais crimes”, disse ele.
Para Catia de Moraes, do Rio
de Janeiro, “ideal é que todos respondam conforme a gravidade do crime”
cometido. Já Luan Carlos Pereira, de Santa Catarina, ponderou se não seria melhor
criar medidas para prevenção dos crimes, ao invés de se pensar simplesmente em
punição.
Informações: Agência Senado
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